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Como a Fazenda Esperança reposicionou a pecuária com genética, educação e gestão

O Diário de Vacaria recebeu um visitante que cruza fronteiras internas do agro com rara naturalidade.
Raphael de Sá e Silva Houayek, da Fazenda Esperança, em Alegrete, trouxe à mesa do podcast um repertório que vai de sucessão familiar a genômica aplicada no Braford, passando por educação a distância e inovação comercial.

Diário do Agronegócio 21

Em pouco mais de uma hora de “prosa”, os apresentadores Lucas e Germano viram emergir um roteiro prático para quem quer sair do “sempre foi assim” e transformar fazenda em empresa que mede margem, escala e valor percebido. A seguir, os principais pontos — sem glamour, sem atalhos, com método.

Universidade de Esperança e EAD: quando a formação vira tração de negócio

A Fazenda Esperança não virou referência apenas pelo gado. Virou escola. Literalmente. A “Universidade de Esperança” já passou da marca de 2 mil alunos em sua plataforma EAD, com trilhas como “Segredos da Carreira de Sucesso no Agronegócio”, citada por Germano que é ex-aluno da primeira turma.

A tese é simples: tratar a carreira como uma empresa, com análise de mercado, planejamento, execução, mensuração e, sobretudo, vendas.

Raphael contou que a virada para o EAD veio ao perceber a desconexão entre diploma e empregabilidade. Ao voltar do Ministério Público para o Alegrete, buscou referências fora, virou parceiro de nomes de peso, e ajudou inclusive a levar conteúdos técnicos para o digital — abrindo caminho para atingir públicos que vão do jovem sucessor ao produtor de 60 anos que quer atualizar processos.

Um outsider que virou sucessor

Formado em Direito e empresário, Raphael voltou à fazenda por um processo sucessório por uma perda na família. Chegou com o olhar de fora, sem “vícios” operacionais, mas com a obrigação de respeitar o que funcionava.

Essa combinação, diz ele, gera a “heterose” da gestão: choque saudável entre repertórios diferentes.
O resultado? Em cinco anos, a Fazenda Esperança aumentou o faturamento em 400% e abriu dois novos modelos de negócio que complementam a pecuária tradicional.

Sucessão com método e governança

Sucessão não é rito de passagem, é projeto. Para Raphael, a responsabilidade começa com quem está no comando hoje. “É o sucedido quem precisa preparar o terreno, treinar, alocar funções, dar liberdade com limites e métricas”, sintetizou. A metáfora do “pato” — que corre, nada e voa, mas não faz nada direito — explica o risco do produtor que tenta fazer tudo sozinho.

Empresas de governança podem ajudar a mapear funis de talento dentro da fazenda. Rotacionar o sucessor por compras, RH, financeiro, jurídico, comercial e produção dá visão sistêmica. Mais importante: atribuir projetos com orçamento e metas. Sem isso, a transição vira conflito geracional; com isso, vira plano.

O choque do embrião: democratização da elite genética

Se a pecuária é o carro-chefe, a genética foi o turbo. A Fazenda Esperança reposicionou a oferta ao apostar na extração de valor do lado feminino do rebanho — as doadoras — e não apenas do touro em central.

Com FIV e uso de “barriga de aluguel”, produtores sem histórico na raça conseguem, em um ano, ter bezerros do mesmo pedigree que nascem no plantel da Esperança.

É a democratização do topo do catálogo, antes reservado aos “vinhos de adega”.

Raphael não foge da fricção inicial que toda ruptura provoca. Ele descreve três fases previsíveis: reação, observação e imitação. Na primeira, vem a crítica e a tentativa de expulsar a novidade. Na segunda, a disciplina de executar e repetir começa a falar mais alto. Na terceira, quem bateu passa a copiar — tarde, mas não perdido.

A expansão não se limita à Serra.

O modelo de negócios da Esperança está presente em nove estados. Segundo o convidado, quando a raça cresce, o mercado como um todo ganha: há mais clientes, mais leilões, mais liquidez, menos “grenalização”. A mensagem aos criadores locais foi direta: fomentar Braford é fomentar o ecossistema inteiro.

Genômica, eficiência e sanidade: os pilares técnicos

A tecnologia não chegou para “enfeitar” catálogo, e sim para reduzir risco e acelerar decisão. Todo o gado que vai ao remate da Esperança é genotipado, com exames em laboratório e base de comparação que cruza dados brasileiros e internacionais.

A lista de alvos inclui identificação de homozigose letal, genes de dupla musculatura, facilidade de parto em novilhas, desempenho de carcaça via ultrassom e, especialmente, resistência a carrapato.

O perfil do Braford favorece a adaptação.

Pelo fino, rusticidade, boa conversão alimentar e precocidade compõem um pacote que performa em “estradas de chão”, não em “autódromos”. Na analogia repetida no estúdio, Ferrari é para a Rota 66 perfeita; na lida real, é a “Toyota” quem entrega todo dia.

No manejo da Esperança, a desmama chega entre 180 e 200 kg, o abate ocorre aos 18 meses com 440 a 450 kg, e o sistema prioriza pasto intensivo, sem ração, para preservar margem.

Margem, canais de venda e visão de empresa

“Bonito e gordo” não paga conta se custar caro demais. A régua é margem.

Raphael insiste que fazenda precisa de canais de venda como qualquer companhia. Mudar a forma de vender — e não só o que produzir — abre mercados, cria recorrência e melhora preço médio.

Nos leilões, a genética prova seu valor.

Segundo o case da Esperança, uma vaca prenhe com registro e genealogia conhecida alcança de 50% a 65% mais valorização que uma vaca equivalente sem o “pacote” genético. É a diferença entre vender commodity e vender produto com história, previsibilidade e suporte técnico. No agregado, isso empurra o negócio para outra liga.

Modelo de assinatura: o “Netflix” dos embriões

A novidade mais recente, adiantada por Raphael, é um modelo de assinatura de embriões “estilo Netflix”.
Sem entrar em detalhes operacionais no episódio, ele sinalizou uma lógica de recorrência, previsibilidade de entrega e curadoria genética em combos.

Para o produtor, a assinatura reduz atrito de compra, dilui risco e organiza o planejamento reprodutivo ao longo do ano. Para o ofertante, amplia base de clientes e suaviza a sazonalidade típica dos remates.

Juventude, núcleos regionais e efeito rede

O Núcleo Serrano aparece como vitrine de renovação. A turma jovem — citada por nome pelos anfitriões — está rodando o estado, conectando Alegrete, Livramento e Vacaria com agenda técnica e comercial.
Leilões recentes na região ilustram a densidade desse movimento. A ExpoInter, no horizonte, tende a consolidar a tração.

Esse efeito rede não é trivial.

Quando mais gente fala a mesma “língua de gestão”, a adoção acelera e os custos de transação caem.
Consultores, associações e criadores passam a compartilhar protocolos, métricas e benchmarks.
A consequência é uma curva de aprendizado coletiva, maior que a soma das partes.

Educação que vira prática: carreira como empresa

Na parte educacional, um ponto pegou forte: vender não é pecado, é competência. Raphael desenha com os alunos a conta da realidade. Onde você vai atuar? Qual a demanda local? Quantas IATFs por mês precisa vender para pagar as contas da família? Se a cidade não comporta, qual é o raio de atuação possível? Tem rodoviária? É assim que a universidade sai do PowerPoint e entra no planejamento de vida.

A pedagogia é empreendedora e brutalmente pragmática.

Análise de mercado, plano, execução, medição e ajuste. A cada etapa, feedback e repetição — “o segredo do campeão olímpico”, como gosta de dizer. Para os veteranos, a trilha serve como reaprendizado; para os jovens, como mapa de entrada sem perder anos na tentativa e erro.

Resiliência e disciplina: do mito à prática

A história da inovação no campo costuma ser contada como epopeia, mas ali ela virou processo. A fase da reação é curta se a disciplina sustenta o projeto. Repetir, medir, repetir de novo, com humildade para ajustar sem romancear o plano original. É assim que a observação vira pedido e a cópia vira mercado.

Do Alegrete a Vacaria: pontes comerciais e de ideias

O episódio também abriu espaço para relações comerciais que pulam o mapa. AGB, empresa de Vacaria, atende a Esperança, no Alegrete, por resultado e serviço — não por amizade. É um lembrete oportuno: logística e atendimento podem tornar pequenos em grandes e locais em regionais.

Canal de venda é decisão estratégica, não pós-venda simpático.

Pasto, custo e velocidade: a engenharia da margem

A defesa do pasto intensivo sem ração nasce de uma conta simples. Carne de pasto é mais barata de produzir; se o ganho por hectare e por dia for alto, a margem sobe sem inflar o custo variável.

A genética trabalha junto, acelerando o ganho de peso e a precocidade sexual. Quando a régua vira “peso por dia com custo por arroba controlado”, a fazenda começa a operar como indústria.

Braford como escolha técnica, não ideologia

Raphael evitou “grenalizar” raças — um vício comum em debates rurais. A defesa do Braford é técnica: adaptação, fertilidade, rusticidade e eficiência econômica. Cada região tem seu melhor ajuste, mas os números citados dão conta do porquê a raça cresce no Rio Grande do Sul e além.

O jogo não é provar quem é “mais bonito”, e sim quem gera margem consistente em ambiente real.

A fêmea no centro: a lógica que faltava

Por décadas, o macho ocupou o palco da genética comercial. A Esperança recolocou a doadora como protagonista de valor. O mercado responde porque a oferta ficou mais democrática e previsível, e porque o produtor enxerga nos embriões uma escada rápida para reposicionar o rebanho.

Como disse Raphael, todo parto tem “ponta, meio e cola”; a curadoria honesta distribui risco e potencial.

Leilões como vitrine e funil de venda

Os leilões regionais, como os citados pelos apresentadores, viraram palco de uma pecuária que mede dado e entrega pós-venda. Mais que martelo e preço, eles funcionam como funil de aquisição, relacionamento e prova social.

É onde a genômica encontra o olho do comprador e onde o histórico de suporte pesa tanto quanto a foto do catálogo. No agregado, a liquidez melhora, e a região cria referência própria.

A ética do suporte

Embrião sozinho não sustenta resultado. Raphael faz questão de frisar o papel do assessoramento “de negócios”, além do técnico. Há consultores excelentes em reprodução e ganho de peso; o que faltava era alguém olhando P&L, mix de canais, ticket médio e giro. Essa visão fecha o ciclo: genética, gestão e go-to-market.

Mentalidade de atleta

O episódio volta várias vezes à ideia da repetição disciplinada. É uma mentalidade esportiva aplicada ao campo: treino, rotina, constância e avaliação honesta. Com isso, os erros não somem, mas encolhem frente aos acertos. E a curva de aprendizado, antes individual, vira patrimônio da equipe e da família.

O que vem aí

Além do modelo de assinatura de embriões, a tendência é ampliar a integração entre educação e operação. Cursos que desembocam em projetos reais nas fazendas dos alunos tendem a reduzir a lacuna entre “saber” e “fazer”.

Com a ExpoInter no radar e a força do Núcleo Serrano, a janela para mostrar números — não só narrativas — está aberta. Se a margem seguir no centro, a adoção só tende a acelerar.

Que baita podcast no Diário de Vacaria

O podcast do Agronegócio no Diário de Vacaria entregou mais que um retrato do Braford. Mostrou um método replicável para qualquer propriedade que queira sair do improviso: sucessão planejada, genética com propósito, educação aplicada e canais de venda que façam sentido econômico.

No fim, tudo volta para pessoas: preparar o sucessor, treinar a equipe, ensinar o cliente e apoiar o vizinho.
Quando a fazenda vira escola e a escola vira resultado, o agro local ganha musculatura de longo prazo.

Agronegócio, Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul, Vacaria

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