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Se o crime ainda acontece, como acreditar que o RS tem hoje a maior redução da violência?

Dados oficiais mostram a maior queda da criminalidade no RS, mas como conciliar isso com o medo que persiste?

O gaúcho que abre a porta de casa, lê uma notícia de assalto ou vê nas redes sociais o relato de um crime tem uma reação natural: o medo. É um sentimento legítimo, humano, que faz parte do instinto de autoproteção. Mas, diante da dor que qualquer crime provoca, surge um questionamento que parece contraditório, mas é real e necessário: como é possível acreditar que o Rio Grande do Sul tem hoje os menores índices de violência da sua história, se ainda vemos crimes acontecendo?

Esse dilema entre o que sentimos e o que os números provam não é uma exclusividade do gaúcho. Trata-se de um fenômeno psicológico que afeta sociedades no mundo inteiro. Segundo o especialista americano em percepção de risco, David Ropeik, autor do livro “How Risky Is It, Really?”, o cérebro humano reage mais ao impacto emocional dos fatos do que às estatísticas. É assim que uma notícia de roubo no bairro pode ter mais peso no nosso dia do que um dado que mostra uma queda histórica da violência no estado inteiro.

Os dados não mentem: RS tem a maior queda da violência da série histórica

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Rio Grande do Sul, o mês de maio de 2025 registrou o menor número de homicídios dolosos desde o início da série histórica, em 2010. Foram 81 ocorrências — duas a menos que em maio de 2024 —, uma redução de 2%. Mais do que um número isolado, esse dado faz parte de uma tendência consistente.

No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, a redução dos crimes contra a vida chega a 26%. Foram 575 vítimas em 2025 contra 777 no mesmo período de 2024. Os homicídios dolosos caíram 30% (459 contra 652) e os latrocínios — roubos seguidos de morte — caíram 44% (dez contra 18).

Os crimes contra o patrimônio, que impactam diretamente a vida dos gaúchos, também seguem em queda. Ataques a bancos, por exemplo, chegaram ao menor número de toda a série histórica para o mês de maio: apenas um ataque, contra três no mesmo mês de 2024 — uma redução de 67%. As investidas contra estabelecimentos comerciais também recuaram 37%, passando de 391 para 245.

Então, se os crimes diminuíram, por que ainda temos tanto medo?

A resposta está, em parte, no funcionamento do cérebro humano. Segundo David Ropeik, nossa percepção de risco não é construída apenas pelos dados, mas também pela maneira como recebemos as informações. Quando um crime ocorre perto de nós, ou quando ele é amplamente noticiado, nossa mente passa a acreditar que o risco é maior do que realmente é.

Esse fenômeno, conhecido como viés de disponibilidade, foi descrito pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky. Ele explica que as pessoas avaliam a frequência de um evento com base na facilidade com que exemplos vêm à mente. Por isso, se um crime foi muito comentado, parece mais comum do que é na realidade.

Essa é uma das razões pelas quais, mesmo em um cenário de redução histórica da criminalidade, a sensação de insegurança segue presente.

A enchente e os números que parecem confundir

Existe, ainda, outro fator que ajuda a entender algumas variações pontuais nos dados. A enchente histórica que atingiu o estado em maio de 2024 alterou a dinâmica urbana. Menos pessoas nas ruas, menos veículos circulando e comércio fechado contribuíram para uma queda atípica de certos crimes naquele mês.

Por isso, quando se compara maio de 2025 com o mesmo mês do ano anterior, alguns indicadores parecem destoar da tendência geral. É o caso dos roubos a pedestres, que subiram 26%, passando de 808 para 1.015. No entanto, no acumulado dos primeiros cinco meses do ano, esse mesmo crime caiu 22%, de 6.897 para 5.364.

O mesmo acontece com os roubos de veículos: houve alta de 35% no comparativo isolado de maio (de 150 para 203), mas uma queda de 13% no acumulado do ano (de 1.071 para 929).

Esses dados mostram que é fundamental observar os números dentro do contexto correto, sem permitir que comparações pontuais gerem conclusões equivocadas.

Quando a dor de cada crime não pode esconder os avanços coletivos

Nenhum dado diminui a dor de quem sofre um assalto, perde um familiar para a violência ou vive o trauma de um crime. E é justamente por isso que o debate sobre segurança precisa ser sério, honesto e equilibrado.

Reconhecer que o Rio Grande do Sul vive hoje sua maior redução da criminalidade não significa ignorar as vítimas. Significa, sim, valorizar o esforço coletivo — de políticas públicas, forças de segurança e da própria sociedade — que levou a esse resultado.

É possível — e necessário — conviver com as duas verdades: a dor de quem sofreu um crime e a realidade de que o estado está, comprovadamente, mais seguro do que esteve nos últimos 15 anos.

Como transformar essa compreensão em cultura?

A resposta começa pela maneira como cada cidadão interpreta a realidade. É preciso desenvolver uma cultura que valorize os dados e que compreenda que segurança pública não é a ausência total de crimes, mas sim a capacidade de reduzir, controlar e prevenir dentro de padrões aceitáveis e progressivamente melhores.

Isso não significa aceitar passivamente os crimes que ocorrem. Pelo contrário. É exigir que, mesmo num cenário de melhora, o trabalho siga constante, sem retrocessos.

Mas também significa recusar a tentação do pânico coletivo, das generalizações apressadas e do discurso de “terra arrasada”, que muitas vezes serve mais para alimentar o medo do que para construir soluções.

O desafio é coletivo: acreditar nos dados, sem ignorar a dor

Quando se pergunta: “Se o crime ainda acontece, como acreditar que o RS tem hoje a maior redução da violência?”, a resposta está na capacidade de olhar o todo, sem perder de vista as partes. Está em reconhecer que segurança pública se mede em tendências, em comparações anuais, em contextos, e não apenas no impacto emocional de um caso isolado.

O gaúcho que lê os dados de 2025 deve, sim, sentir-se mais seguro. Não porque o crime acabou, mas porque está, comprovadamente, cada vez menor. E isso não é apenas uma boa notícia. É uma conquista coletiva que precisa ser reconhecida, protegida e, acima de tudo, ampliada.

Brigada Militar, Polícia Civil

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