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O desafio de compreender quem escolhe permanecer na rua em um frio de -3º em Vacaria

Na madrugada mais gelada de 2025 em Vacaria, nos Campos de Cima da Serra, os termômetros marcaram uma sensação térmica de -17 °C. O frio extremo, por si só, já era um evento marcante, mas o que realmente congelou o olhar de quem passou pela rua Inácia Vieira nesta madrugada foi a imagem de um homem dormindo ao relento, enrolado em um cobertor fino.

Ele recusou a oferta de acolhimento feita pela Guarda Municipal, mesmo com a disponibilidade de um abrigo aquecido, estruturado e em pleno funcionamento.

Acompanhe aqui o registro realizado pelo Diário de Vacaria quando o morador de rua foi localizado

A estrutura não é o problema

A cidade de Vacaria, acostumada aos rigores do inverno, conta com uma opção organizada de acolhimento. A Casa da Fraternidade Fratelli Tutti é se tornou o espaço trabalho pela atual administração municipal para atender com dignidade os que vivem em situação de rua, a casa oferece pernoite, banho quente, alimentação e acompanhamento social.

Nesta noite, a Fratelli Tutti estava operando normalmente. Havia espaço, havia comida quente, havia voluntários prontos a ajudar. Ainda assim, o homem na calçada disse “não”.

Uma recusa que revela um dilema social

Esse “não” ecoa em diversas cidades brasileiras. Não se trata de ignorância, tampouco de desinformação. Muitas vezes, não é sequer um ato de rebeldia. Trata-se de uma decisão marcada por histórias pessoais dolorosas, traumas, receios e a busca por autonomia em meio à vulnerabilidade.

O homem afirmou preferir permanecer onde estava, sem apontar falhas na estrutura oferecida. Sua decisão, ainda que desconcertante diante do frio mortal, é um retrato fiel da complexidade do fenômeno social que desafia assistentes sociais, governos e a sociedade civil.

Abordagem respeitosa e os limites da atuação emergencial

Os agentes da Guarda Municipal agiram com cautela, empatia e principalmente velocidade diante no nosso pedido de suporte. Apresentaram a opção de acolhimento, alertaram sobre os riscos de hipotermia e buscaram convencer o homem a aceitar a ajuda.

Após a recusa, o Guarda Municipal Dutra e o Guarda o Daniel respeitaram sua decisão. Essa postura, embora questionada por alguns, segue os princípios do respeito à autonomia e da abordagem humanizada.

A cena, registrada pela reportagem, se tornou um símbolo: não basta oferecer estrutura, é preciso entender as razões da recusa. O frio apenas intensificou uma questão que se estende ao longo de todo o ano.

Vacaria preparada, mas diante de um obstáculo invisível

Vacaria está sim trabalhando na prevenção e organização no enfrentamento do frio. Com uma rede que integra poder público, entidades assistenciais e voluntários, a cidade se antecipou aos dias gelados.

Contudo, o obstáculo mais difícil de vencer é aquele que não se enxerga: a barreira subjetiva, emocional, que impede muitos de aceitarem o acolhimento. Isso não está escrito em cartazes, não aparece em relatórios, mas está presente em cada recusa como a daquela noite.

A complexidade da recusa

Diversos estudos e relatos de profissionais da área apontam que a rejeição ao abrigo decorre de um histórico de traumas, perda de autonomia e desconfiança. Muitos moradores de rua relatam experiências ruins em abrigos anteriores. Outros temem a separação de seus companheiros de rua, animais de estimação ou pertences.

A institucionalização, mesmo quando bem-intencionada, pode soar como uma nova forma de controle para quem já perdeu tudo. Assim, preferem a liberdade desconfortável do relento à segurança percebida como opressora de um abrigo.

Fenômeno nacional, solução personalizada

O caso em Vacaria espelha um padrão observado em várias regiões do Brasil. Em grandes centros como São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, é comum encontrar pessoas em situação de rua que rejeitam os serviços de acolhimento. Não raro, mesmo estruturas modernas e bem equipadas permanecem com leitos ociosos.

Especialistas são unânimes em apontar a importância da construção de vínculo. O acolhimento eficaz vai além da oferta de um lugar seguro: ele passa pela escuta, pela compreensão e pela presença constante.

Não se impõe cuidado: se conquista

Em Vacaria, as equipes de assistência social atuam durante o inverno, intensificando as abordagens, atualizando os mapeamentos e renovando os contatos com os moradores de rua. É um trabalho que exige paciência, empatia e insistência respeitosa. No caso registrado pela reportagem, um das pessoas envolvidas pela causa nos informou que este morador de rua da reportagem foi abordado 3 vezes nos últimos dias, em todas elas não aceitando ir para o abrigo.

As experiências mais exitosas têm em comum a construção de relações de confiança. Um acolhimento verdadeiro não se resume a uma cama e um cobertor: é um processo de aproximação que leva tempo.

A missão de escutar e acompanhar

A imagem do homem deitado na calçada, recusando ajuda sob uma temperatura de -17 °C, é um chamado à reflexão. É a prova de que não basta ter abrigos e campanhas: é necessário entender e respeitar o tempo e as dores de cada indivíduo.

A assistência não se esgota em uma noite de frio. Ela deve ser um processo duradouro, com presença constante e escuta sincera. O desafio que é complexo é da Assistência Social, o desafio de aprofundar o vínculo, continuar escutando e estar presente mesmo quando a resposta for “não”.

Assistência Social, Vacaria

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