De operação bem-sucedida ao caos: Vacaria sofre com ausência de socorro emergencial

Resgate exemplar na BR-116 contrasta com o atendimento emergencial que torna o município vulnerável diante de duas ocorrências simultâneas
Na noite de ontem, um grave acidente mobilizou diversas forças de resgate em Vacaria, no Km 54 da BR-116, sentido Campestre da Serra. Um Chevette verde com quatro ocupantes — um homem, duas mulheres e uma criança — saiu da pista. Todos eram moradores do bairro Barcelos.
O veículo ficou parcialmente destruído após sair da rodovia e cair em uma lateral. A rápida reação das equipes foi crucial para evitar uma tragédia maior.
Uma das mulheres e a criança conseguiram deixar o veículo por conta própria e solicitaram socorro na beira da estrada. Um homem e uma mulher ficaram presos nas ferragens e foram removidos em uma ação planejada e bem realizada. A resposta foi imediata: o SAMU, o Corpo de Bombeiros com sua ambulância de resgate e caminhão auto bomba, além da Polícia Rodoviária Federal, atuaram de forma coordenada.
Acompanhe aqui o resgate registrado pela equipe do Diário de Vacaria
O resgate, considerado complexo devido à dinâmica do acidente e ao estado do carro, foi realizado com sucesso.
Acompanhe o momento em que a equipe de emergência chega ao HNSO
Entretanto, o contraste veio menos de 24 horas depois. Neste domingo, um conflito no bairro Municipal acendeu a luz vermelha da fragilidade estrutural do serviço de emergência em Vacaria.
Duas pessoas feridas precisaram ser levadas ao Hospital Nossa Senhora da Oliveira, mas a ambulância de resgate do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS), mesmo estando fisicamente no quartel, não pôde ser utilizada por falta de efetivo. O resgate ficou por conta do SAMU, que naquele momento passava a estar sem condições de atender qualquer outra emergência.
Acompanhe o momento em que a ambulância do SAMU chega ao HNSO trazendo as duas pessoas feridas.
Cenário de contraste revela vulnerabilidade do sistema
O caso do acidente mostrou o que Vacaria pode oferecer em termos de resposta emergencial quando há pessoal disponível e integração entre as instituições. Já o episódio do bairro Municipal evidenciou uma realidade recorrente: estrutura disponível, mas inoperante por carência de recursos humanos. A população, assim, vive entre extremos — o do atendimento exemplar e o da ausência completa de socorro.
Vacaria conta hoje com uma única ambulância do SAMU para atender toda a cidade e sua extensa zona rural. A viatura de resgate do CBMRS permanece na garagem do quartel, pronta, mas inativa, pela falta de profissionais habilitados para sua operação. Com cerca de 64 mil habitantes, o município enfrenta gargalos que comprometem o tempo de resposta e a capacidade de salvar vidas.
SAMU está fazendo o máximo dentro das suas limitações
De acordo com o Ministério da Saúde, municípios com até 100 mil habitantes devem contar com pelo menos uma Unidade de Suporte Básico (USB), como previsto na Portaria nº 1.864/GM de 2003 e na Portaria nº 1.010 de 2012. Vacaria se enquadra nesse critério e tem sua USB.
No entanto, o número de ocorrências, as distâncias envolvidas (duas BR´s) e a carência de outros recursos indicam que esse “mínimo” não atende à realidade local.
Casos como o do acidente na BR-116 exigem estrutura robusta, integração rápida e suporte contínuo. O que ocorreu de forma positiva na última noite dependeu de medidas paliativas, como a ativação de horas extras dos bombeiros. Essa exceção, infelizmente, não é a regra.
Defasagem atinge também outras cidades gaúchas
Vacaria não está sozinha. Municípios como Três de Maio, Esteio e Santa Maria enfrentam problemas semelhantes: ambulâncias dos bombeiros paradas e serviços suspensos por falta de efetivo. Em alguns casos, os atendimentos dependem exclusivamente do SAMU ou de parcerias com as prefeituras, que muitas vezes também operam no limite de suas capacidades.
O reflexo é a sobrecarga do SAMU, que assume demandas além do previsto, percorre distâncias maiores e vê seu tempo de resposta prejudicado. A população sofre diretamente, enquanto servidores lidam com jornadas exaustivas e a pressão de salvar vidas.
Estado tenta reagir, mas reforços ainda não chegaram a Vacaria
O governo do Estado iniciou em 2024 e 2025 uma recomposição gradual dos quadros do CBMRS. Foram 106 novos soldados em abril deste ano, e 295 sargentos formados em dezembro passado. A previsão é de mais 400 soldados até abril de 2026. Porém, essa recomposição ainda não alcançou todas as unidades com déficit, e Vacaria segue aguardando.
Falta de planejamento compromete eficiência do socorro
Ter uma ambulância moderna parada no pátio do quartel, enquanto cidadãos esperam socorro, é um contrassenso inadmissível. A rotina dos bombeiros segue marcada por improviso. Quando conseguem atuar, fazem-no com dedicação, técnica e sacrifício. Mas sem equipe suficiente, há um limite para a resposta — e ele está sendo atingido.
Vacaria entre extremos: excelência ocasional e caos cotidiano
O acidente na BR-116 provou que Vacaria tem capacidade técnica e equipamentos adequados. A cidade que ontem salvou quatro vidas de maneira exemplar, hoje não consegue garantir socorro básico em duas ocorrências simultâneas. O alerta está ligado. Sem medidas efetivas, o município continuará alternando entre o céu e o caos, enquanto vidas seguem em risco.