Com a Estampa do Porteira, mais um Gigante Festival da Poesia enriquece a Cultura Gaúcha
O CTG Porteira do Rio Grande mais uma vez, fez história. Foi fonte e abrigo de Poesias Vencedoras, Declamadores Sensíveis e Amadrinhadores Harmonizados.
Confira os resultados do II Festival Porteira da Poesia, e veja também as poesias inéditas que agora fazem parte da história e ricamente valorizam a Cultura Gaúcha.
O CTG está em festa. Patrão Jeferson, Márcia Nunes, Organizadora do Festival e todos da Patronagem celebram mais essa grande contribuição para nossa cutura.
Resultado Poemas
1° Lugar: Fumaça (Otávio Lisboa – Pelotas RS)
2° Lugar: Pra Cada Céu Estreleiro (Matheus Costa – Dom Pedrito)
3° Lugar: Entre Perdões e Heróis (Rodrigo Lopes – São Luís Gonzaga)
Resultado Declamador
1° Lugar: Érico Padilha (Pra cada Céu Estreleiro – Caxias do Sul)
2° Lugar: Neiton Perufo (Passo de Tango – Alegrete RS)
3° Lugar: Filipe Lisboa (Fumaça – Pelotas RS
Resultado Amadrinhador
1° Lugar: Fernando Graciola (Pra cada Céu Estreleiro – Encantado RS)
2° Lugar: Vinícius Krinton (Fumaça – Pelotas RS)
3° Lugar: Ítalo Rossi (Permuta – Vacaria RS)
FUMAÇA
Antes que o sol mostre o rosto
e cruze a fresta da porta
num delicado suspiro,
desde o primeiro respiro
de um frio que julho sustenta,
há dois espelhos da alma:
a luz que nasce com calma
e uma manhã fumacenta.
E na mesma madrugada,
com seus instantes gelados
e invernias sonoras,
um cerne antigo que chora
também sopra num talho
fumaça de brasas mortas,
que sobe por danças tortas
e se desmancha em retalhos.
Depois do fogo prendido,
naquela breve paisagem
de um galpão amanhecendo,
as horas vão se estendendo
pra água que beija a erva:
fumaça de mate novo
(desmaneador de retovos,
‘mantenedor’ de reservas).
Uma outra, já mais mansa,
morre e renasce num ciclo
do vício de quem lhe trilha…
Cheirosa – por figueirilha,
nos rastros frágeis do vento,
nublando um dia bonito:
sobe fumaça de um pito
pra acomodar pensamentos.
Mesmo de poncho nos ombros,
a geada ainda corta
quem se atreve a enfrentá-la!
De um “buenas!” que não se cala
na voz que o saludo lavra…
Alguém cruza d’outro lado,
soprando um ar congelado
que é fumaça da palavra.
Enquanto voam pealos
nas dobras de uma mangueira
que testemunha destinos,
algum terneiro brazino
vai deixando de ser touro.
E por consequências francas,
nem vê a fumaça branca
da marca que toca o couro.
Perto de um resto de tarde,
voltam cascos e estribos
soltando barro no chão!
Da sobrecincha ao xergão,
vão resvalando de cima
ao cavalete do alambrado!
Mostrando um lombo suado
que fumaceia essa rima…
E aquele fogo dormido,
que ficou pulsando brasas
pra confidência de um cusco,
ardeu coragem num susto
por assoprões que nem viu!
Vai ver a noite que passa,
enquanto sobe a fumaça
da graxa de algum vazio.
A que levanta da terra,
não iguala a tua alcunha
mas imita o teu semblante…
É de se enxergar distante
quando o vento pinta o céu:
fumacentas ‘carreteras’
mandando nuvens de poeira
pra impregnar no chapéu.
Mas a última tragada,
dessas linhas encardidas
que vão nublar a Querência,
vai contrapor uma ausência
por compreender o momento:
nada pune como a sina,
e nem castiga as retinas
como um amor fumacento.
PRA CADA CÉU ESTRELEIRO
Há um espaço na querência
pra cada céu estreleiro,
com silêncios de paciência
e um maternal paradeiro…
Um resto de noite guacha
que lacrimeja, escorrendo
sereno sobre a bombacha
e o pasto que vai nascendo!
Pra cada céu estreleiro
existe uma aguada boa
nos arroios companheiros…
…no remanso das lagoas;
E a D’alva – luzeiro andante –
com seu rosto distorcido,
revê saudades de antes
neste espelho umedecido!
Há um domador estendendo
seu redomão assombrado…
Timbre de arreio rangendo,
falando pro descampado…
Há brasa em ponta de pito,
conforme a hora, minguando;
…Fogo amigo que os solitos
acendem de vez em quando!…
Há confiança entre os lindeiros,
nas porteiras encostadas
onde alguém passa primeiro
deixando livre a cruzada;
E mais adiante, ranchitos
com céus no além das janelas,
o bastante num “pouquito”…
…e a fé num toco de vela!
Pra cada céu estreleiro
há um escuro que resiste;
Vento que varre o terreiro,
coruja que canta triste!
E um segredo necessário
que ninguém vai descobrir,
mas que é parte do cenário
somente por existir!
Há um luar “quarto crescendo”
nas voltas do corredor,
por inteiro se aquecendo
sob o poncho do negror.
E outras luas, por metade,
que restaram andarilhas,
engolindo a liberdade
pelos cascos das tropilhas!
Pra cada céu estreleiro
há uma antiga nazarena,
com idioma musiqueiro
retinindo as próprias penas…
Procurando – mais que o par –
outras tantas semelhantes
que nasceram pra ficar
longínquas e mais brilhantes!
Há uma siá dona, esperando
seu cambicho d’outras eras…
E um mocito que, cismando,
não diz, mas também espera;
Há uma lembrança perdida
que se encontra, de repente,
pra ser outra vez vivida
n’algum sonhar inocente!
Pra cada céu estreleiro,
há uma manhã que virá…
E um vazio pelos potreiros
que algum campeiro encherá.
Um sol chairando o descanso,
pra clarear rincões depois…
E a sombra dos pingos mansos
no mesmo vulto dos bois!
Há um grilo versejador
rompendo toda quietude
no seu timbre sem primor,
meio terno, meio rude.
E uma garoa tão fina
que se escuta quase nada…
…só quem percebe é a retina
ao ver a terra embarrada!
Pra cada céu estreleiro,
há uma quincha que se banha
com gotas que as Três Marias
derramam pela campanha…
Há uma tapera dormindo
seu sono da eternidade,
…Parte dela inexistindo,
mas, viva noutra metade!…
Há um Cruzeiro que, distante,
bebe a noite no gargalo…
…e aponta léguas adiante
pra o olhar do meu cavalo.
E algum rastro de “cadente”
que custa pouco a sumir,
deixando dentro da gente
anseios pra se pedir!
Pra cada céu estreleiro,
há um ciclo de benzedura
que levanta algum terneiro…
…que todo abichado cura.
Há um sopro que foge às frestas
dum galpão – terrunho abrigo –
e esse ar que ele me empresta
careço em levar comigo!
Há muito e sempre haverá
aos que quase nada tem…
…Que andam ao Deus-dará
atrás do que nunca vem.
Mas guardam o campo afora
(que não lhes é passageiro)
e um chão riscado de esporas
pra cada céu estreleiro!
ENTRE PERDÕES E HERÓIS
A tarde se recolhia já dando cancha pra’o breu
O vilarejo se arreglava pra mais uma noite em quietude
Até que o horizonte anuncia em meio ao rubor do poente
Destampando a curva grande, quem nunca andou por ali!
O fino trato das alpacas de uma encilha domingueira
Luziam mais que a prateada transpassada na cintura
A rudeza no semblante recoberta no aba larga
Só aumentava o mistério do fúlgido forasteiro!
Um alvo lenço ao pescoço esvoaçando esparramado
Se misturava as melenas e a longa barba tordilha
Parecia que até a estrada de incessante polvadeira
Por ora sentou suas nuvens reverenciando o andante!
Um azulego delgado, toso a capricho e trança no cacho
Queixo buscando a barbela num garbo de quem desfila
E no fiador um picaço, com balda e entono de potro
Por certo pingo de muda, que se aprontara na estrada!
Ao destampar a baeta buscando à guaiaca alguns cobres
Se destacou um jaleco com patentes sobre o ombro
-Andou na guerra, “Paysano”?- Já indagou um mais curioso
Quebrou o silêncio o andante num curtito: “-por supuesto-“!
Depois do ponteiro grande completar quase uma volta
Limpando a poeira da goela num largo trago de canha
Apresentou-se aos presentes, não que achasse necessário
Mas educação lhe sobrava dado os tempos de quartel!
– Sou Capitão João Rodrigues, é a graça que me conhecem
Ando a campear quem outrora deixou pendências no povo
Por Pedro Acácio é chamado, foi isso o que me disseram
A ordem é levar comigo, pouco importa a condição!-
Advogaram em coro, velho e novo ali presente
Em defesa do citado que num canto se encontrara
-Com respeito as suas estrelas, renomado capitão
Talvez haja algum engano no intento de sua procura-
Tentaram contar histórias, atestando idoneidade
Botaram a mão no fogo em nome do conhecido
Mas que de nada serviram os infindos argumentos
-Um soldado cumpre ordens- retrucou o Capitão!
Nisso levanta de um cepo um mulato meia idade
Um quatro copas tapeado mostrava que foi campeiro
Mas a condição lhe impedia qualquer que fosse o laboro
Pois perdera meia perna, já o braço, pela raiz!
Contam que foi apartando uma peleia de franqueiros
Mas era só o que sabiam, pois disparava do assunto
O fato é que o pobre homem nem esboçou resistência
Apresentou-se a autoridade sem questionar o motivo!
O imponente Capitão dirigiu-se ao procurado:
-Amanhã antes do sol, partimos, que a estrada é longa
Vou encilhar o picaço pra que o Senhor me acompanhe
São cinco dias ao trote já descontando algum pouso!-
Pedro Acácio conformado com os reveses do destino
Calculando o que se passava, concordou com a imposição
Deu de mão numa taquara que servia de muleta
E foi direito a capela pra uma última oração!
-Meu Senhor, mais uma vez, tô aqui pedindo perdão
Talvez faltou-me destreza, na hora do acontecido
Quando escapou-me a presilha, a ilhapa já vinha aos trapos
E o alçado que eu segurava, matou na hora o patrão!-
Quem segue o Livro Sagrado é regido pela crença
Denota qualquer volteada “con permiso” ao Criador
Muitos falsos mediadores até alimentam impunes
Mas no funil da existência, só colherá quem plantou!
Antes da aurora romper, as barras claras do dia
Partiram como era o trato, pra’o rumo da estância antiga
Adelgaçaram os cavalos atravessando lonjuras
Volvia o tempo, o Mulato, remoendo viejos desalentos!
Chegando na casa grande, já esperava na varanda
Homem feito, barba grossa, o herdeiro do patrão
No tempo do assucedido mal e mal que dava uns passos
Mas o mesmo olhar de justiça, herdara do velho pai!
-Vinte anos do acontecido, mais de dez que te procuro
Porque fugiste, Mulato? Mais nada tinha a perder
Mas hoje que te encontrei, vais ganhar o que mereces
E o meu pai, que Deus o tenha, enfim há de descansar!-
Até hoje ninguém sabe, contando não se acredita
Como um mulato franzino, criado em fundo de campo
Agarrou um touro a unha com um outro preso nos tentos?
Ariscou sua integridade, mas frouxar, nem cogitou!
Condenou-se a invalidez, naquele heroico momento
E nunca mais se perdoou pela morte do patrão
Pra ele não havia mérito, nada mais que a obrigação
Ter atacado o franqueiro de ir direito ao piazito!
E o piazito se fez moço, e seu tino justiceiro
Jamais postergou o intrépido que um dia o amadrinhou
Aliviaram dois pares de ombros, num forte aperto de mão
Vazaram dois pares de olhos, na vastidão de um abraço!
Dali um tempo, sete luas, despontou na curva grande
Formando nuvens de poeira, a mais morruda das tropas
Vinha na ponta o Mulato, por demais de bem pilchado
Com riso vasto no rosto e alma repleta de paz!
-Regalo, agradecimento, que chamem como quiser
Me concederam esta tropa por um ato de heroísmo
Por certo nem merecia, mas insistiu o patrãozinho
E hoje entrego aos amigos, que sempre estenderam a mão!-
Ninguém desvia o destino reservado a cada um
O bem e o mal são caminhos, ínfimos a se cruzar
A camba da tua consciência é que norteia teu rumo
Só não te olvidas, “paysano”, que o retorno sempre vem!
Seguiu seu tempo, o Mulato, no mesmo tranco de outrora
De pilcha nova, é verdade, muleta feita à medida
Mas usando o mesmo copado, que era mais que identidade
Sentadito ao mesmo cepo, a saborear seu perdão!
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Foto: Comissão de Jurados: Gujo Teixeira, Valdemar Camargo e Rafael Ferreira.
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