Alunos do IFRS Vacaria somam talento, multiplicam ideias e vencem a grande Mostratec

Em um cenário onde a educação pública muitas vezes enfrenta limitações, o Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Vacaria, vem protagonizando uma revolução silenciosa, porém poderosa.

Durante o podcast do Diário de Vacaria, foi possível mergulhar nos bastidores de uma conquista extraordinária: o primeiro lugar na Mostratec, uma das maiores feiras científicas da América Latina.

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No centro dessa história estão o professor Marcelo Maraschin de Souza e seus alunos, Antonielle Helena Fernandes e Cristian Post Michels. O trio representa não apenas uma vitória individual, mas a concretização de uma filosofia educacional que acredita no poder da pesquisa, da inclusão e do protagonismo juvenil como motores de mudança.

O Instituto Federal e sua missão

O professor Marcelo inicia explicando o papel do IFRS no Brasil, destacando que se trata de uma rede nacional presente em 19 cidades gaúchas, com reitoria localizada em Bento Gonçalves. O campus de Vacaria, oferece ensino médio técnico integrado gratuito, proporcionando aos alunos uma formação completa e diferenciada.

A principal inovação do IFRS é a possibilidade de unir ensino médio e técnico, dando aos estudantes não apenas um diploma convencional, mas também habilidades práticas e formação técnica de alto nível. Além disso, há a oferta de ensino superior e pós-graduação, fortalecendo o compromisso da instituição com a educação continuada.

A pesquisa como porta de entrada para o mundo

A cultura de pesquisa no IFRS não é privilégio do ensino superior. Desde o ensino médio, os alunos são incentivados a participar de projetos por meio de editais internos e externos, como os promovidos pelo CNPq e FAPERGS. Marcelo conta que o projeto premiado começou em 2021 e hoje é apenas um entre cerca de 40 a 50 projetos ativos no campus.

O processo de envolvimento dos alunos é criterioso: os projetos são submetidos pelos professores, avaliados e, se aprovados, recebem recursos e bolsas estudantis. Os alunos então participam de um processo seletivo interno e, uma vez selecionados, passam a integrar os projetos de ensino, pesquisa ou extensão.

Enemática: uma proposta concreta de transformação

Foi desse ecossistema de inovação que nasceu o projeto “Enemática”, idealizado por Marcelo a partir de uma constatação em sala de aula em 2021: os estudantes apresentavam grandes dificuldades ao lidar com questões contextualizadas do ENEM. A solução? Criar uma plataforma gratuita com o objetivo de facilitar o acesso ao banco de questões do exame, separadas por temas e níveis de dificuldade.

“A ideia surgiu ao perceber que muitos alunos tinham dificuldades com questões contextualizadas do ENEM. Eu trazia essas questões para sala e eles travavam. Era preciso algo que os ajudasse a visualizar melhor os problemas”, explicou o professor Marcelo.

Com o apoio do professor Ricardo, da área de programação, o projeto ganhou corpo e alunos do curso técnico de multimídia passaram a desenvolver o site. Desde 2021, mais de seis bolsistas já contribuíram com a construção da plataforma que hoje conta com mais de 300 questões categorizadas, além de mapas mentais para auxiliar no estudo.

O diferencial da plataforma é a interface simples e objetiva, que permite ao usuário filtrar questões específicas sem perder tempo. “Antes a gente perdia tempo procurando a questão certa. Agora a gente estuda direto o que precisa. Isso ajuda muito”, comentou Cristian.

Tecnologia e acessibilidade: um casamento poderoso

Um dos diferenciais do projeto foi ir além da teoria. Inicialmente voltado para pesquisa interna, a partir de 2023, o projeto passou a integrar também a extensão, levando o Enemática para escolas públicas da região.

Inicialmente com pouco engajamento, a equipe reformulou a abordagem em 2024 e passou a usar ferramentas de fabricação digital, como impressoras 3D e cortadoras a laser, para criar modelos físicos que ajudam na compreensão de conceitos matemáticos abstratos, especialmente de geometria, que agora podiam ser literalmente tocados.

“Levar um sólido geométrico impresso em 3D é uma forma de tirar a matemática do abstrato e colocar nas mãos dos alunos”, explicou o professor.

Marcelo explica que essa abordagem prática desperta interesse nos alunos, tornando a matemática mais acessível e menos intimidadora. Além disso, o projeto se destaca por ser gratuito e voltado prioritariamente a escolas públicas, ajudando a reduzir a desigualdade educacional entre alunos de instituições públicas e privadas.

Transformações pessoais e acadêmicas

Cristian conta que conheceu o IFRS por influência da irmã e sempre teve interesse pela área de multimídia. Iniciou como bolsista de ensino e depois ingressou no projeto Enemática por afinidade com programação.

Já Antonielle descobriu o IFRS por meio de uma apresentação escolar, encantou-se com fotografia e sentiu o impacto da metodologia diferenciada logo no primeiro ano. Apesar da timidez inicial, encontrou no projeto uma paixão pela matemática e pela pesquisa científica.

Ambos os estudantes destacam o papel fundamental do professor Marcelo em motivá-los e abrir caminhos dentro da instituição. “Se não fosse o Marcelo, nada disso teria acontecido”, diz Cristian, emocionado.

Mostratec: da timidez ao topo do pódio

A Mostratec é uma das maiores feiras científicas da América Latina, o ponto alto dessa jornada. Realizada em Novo Hamburgo, onde competiram com mais de mil trabalhos do Brasil e do exterior. Antonielle relata a surpresa ao receber o prêmio, sozinha, durante a cerimônia.

A feira é a segunda maior do mundo na área de ensino médio e receber o primeiro lugar foi uma consagração. Durante a premiação, Antonielle representou o grupo e recebeu o troféu em nome de todos.

“Quando terminou a apresentação eu já estava feliz, porque sabia que tinha feito o meu melhor. Ganhar foi um reconhecimento enorme”, relatou ela. Cristian dedicou o momento ao professor Marcelo: “Ele foi quem puxou a gente, inspirou e acreditou no projeto desde o início.”

Educação aplicada que gera impacto real

A conquista em Novo Hamburgo foi especial, mas não imediata. “A gente viu muitos projetos incríveis na Mostratec, principalmente na área de engenharia. A gente achou que não ia ganhar, porque eram coisas muito elaboradas.”, lembrou Antonielle.

O professor Marcelo destaca que o diferencial foi justamente a aplicação concreta da pesquisa. “Muitos projetos acabam ficando só como protótipos. O nosso já está em uso nas escolas, ajudando de fato quem mais precisa”, ressaltou.

Confira aqui o site Enemática, criado pelos alunos do IFRS.

A plataforma Enemática, além de ser acessível e gratuita, é voltada para estudantes da rede pública, com o objetivo de reduzir desigualdades no desempenho do ENEM. “A diferença entre as notas de alunos da escola pública e particular ainda é muito grande. A gente quer ajudar a equilibrar essa conta”, completou.

Reconhecimento e novos caminhos

O reconhecimento na Mostratec rendeu mais do que medalhas. O grupo ganhou uma credencial para participar de uma feira científica em São Paulo em 2026.

Marcelo aproveitou o momento para agradecer à equipe, especialmente ao professor Marcelo Boeira, que foi peça-chave na entrada do IFRS Vacaria em feiras científicas. Foi ele quem trouxe a conexão com o Colégio Liberato, tradicional parceiro da Mostratec.

A vitória representa mais do que um título. É o reconhecimento de uma trajetória de investimento em pesquisa, extensão e formação integral.

Educação pública de excelência: um legado coletivo

Mais do que um projeto ou uma conquista, a trajetória do Enemática representa um modelo de como a educação pública, quando bem estruturada e motivada por docentes comprometidos, pode mudar realidades e abrir caminhos antes inimagináveis.

E de fato, quando a educação floresce, seus frutos são colhidos por toda a sociedade. A história do Enemática é um lembrete potente de que a resposta para o futuro do país continua sendo, e sempre será, a educação.