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Os limites da opinião nos comentários de grupos de WhatsApp, redes sociais ou outro espaço

Entre o direito de falar e o dever de respeitar

No 12º episódio do podcast Conflito e Consenso, os advogados Felipe Vanin Rizzon e Renan Kramer Boeira abordaram um tema que permeia debates jurídicos, sociais e políticos no Brasil contemporâneo: os limites da liberdade de expressão nas redes sociais, grupos de whatsapp

Conflito e Consenso chega ao 12º Episódio

O episódio se propõe a esclarecer, com profundidade técnica e linguagem acessível, o ponto de fricção entre o direito à livre manifestação do pensamento e os direitos fundamentais à honra, à imagem, à intimidade e à privacidade.

Ambos os profissionais destacaram que o debate não é meramente teórico. Trata-se de uma questão prática que afeta a todos, em maior ou menor grau. Com a ascensão das redes sociais como principal plataforma de comunicação e opinião, discursos que antes estavam restritos ao ambiente doméstico ou informal se tornam públicos, permanentes e, muitas vezes, lesivos.

A linha tênue entre opinião e crime

Um ponto central da conversa é a delicada distinção entre exercer o direito à opinião e ultrapassar os limites legais ao ponto de cometer crimes contra a honra. Felipe enfatiza que a liberdade de expressão não é um escudo absoluto. Quando o discurso assume a forma de calúnia, difamação ou injúria, torna-se passível de punição penal e reparação civil.

Renan complementa ao apontar que muitos usuários das redes acreditam estar resguardados pelo anonimato digital. Contudo, lembra que todo ato na internet deixa rastros. Dispositivos são identificáveis por seu número de IP, semelhante a um CPF eletrônico, e investigações podem revelar a autoria de mensagens ofensivas.

A metáfora do travesseiro de penas

Para ilustrar o impacto de publicações difamatórias, Felipe utiliza uma metáfora didática: lançar ofensas na internet é como rasgar um travesseiro de penas do alto de um prédio. Mesmo que a pessoa se arrependa e tente recolher as penas — ou apagar os posts — nunca conseguirá recuperar tudo. A marca da ofensa permanece.

Renan reforça que a falsa sensação de segurança por trás de telas incentiva excessos. Muitos acreditam que podem agredir verbalmente, caluniar ou estalquear sem consequências. Porém, com o avanço das tecnologias e a atuação de delegacias especializadas em crimes cibernéticos, a responsabilização tem sido cada vez mais eficaz.

Quando a opinião vira crime

O episódio detalha juridicamente os três crimes clássicos contra a honra:

  • Calúnia: atribuir falsamente a alguém a prática de um crime específico.
  • Difamação: divulgar fato ofensivo à reputação de alguém, ainda que verdadeiro.
  • Injúria: ofensa direta à dignidade ou decoro da vítima, sem imputação de fato.

Felipe e Renan esclarecem que esses crimes são processados, em regra, por ação penal privada, mediante queixa-crime apresentada pela própria vítima no prazo de seis meses após a identificação do autor. A exceção é a injúria racial, que se tornou crime de ação penal pública.

Injúria racial: mais grave, mais punida

Um dos trechos mais densos do episódio trata da injúria racial, que, desde 2023, passou a ser prevista fora do Código Penal e integrada à Lei do Racismo (Lei 7.716/89). Isso reforça seu caráter gravíssimo e o afastamento de possibilidades de negociação judicial, como acordos penais ou transações.

Felipe salienta que a injúria racial se diferencia da injúria comum por usar elementos como raça, cor, etnia ou procedência nacional para ofender. O comportamento discriminatório, mesmo em forma de “brincadeira”, constitui causa de aumento de pena quando ocorre em contexto recreativo ou jocoso.

Renan relembra que essa prática não admite defesa baseada em liberdade de expressão, pois há uma intenção deliberada de ultrajar. E ressalta que “não é brincadeira para quem ouve”, ainda que o autor alegue descontração.

O racismo e a coletividade ofendida

Outro ponto técnico importante diz respeito à distinção entre injúria racial e racismo. A primeira atinge um indivíduo de forma direta e identificável. Já o racismo é a conduta que atinge uma coletividade ou grupo social de forma indeterminada, como ao impedir acesso de negros a determinados ambientes ou ao proferir frases ofensivas a uma classe étnica como um todo.

Ambos os crimes estão sujeitos a penas severas, são imprescritíveis e inafiançáveis. Desde 2019, o STF equipara a homofobia e a transfobia ao crime de racismo, ampliando a proteção penal à diversidade sexual.

Imunidade parlamentar: liberdade de fala com responsabilidade

Em uma abordagem mais espinhosa, os advogados discutiram os limites da imunidade parlamentar. Há uma falsa percepção de que deputados, senadores ou vereadores possam se manifestar livremente, inclusive com ofensas, sem consequências. A Constituição garante imunidade apenas em relação a palavras, votos e opiniões vinculadas ao exercício do mandato e às funções legislativas.

Quando há excesso, como discursos de ódio, ameaças ou calúnias proferidas de forma desvinculada da atividade legislativa, o parlamentar pode — e deve — ser responsabilizado. Como afirmaram: discordar de um projeto de lei é aceitável. Ofender pessoalmente um colega por sua cor ou orientação sexual, jamais.

Prerrogativas da advocacia e seus limites

No encerramento, o episódio trata também da imunidade funcional dos advogados, prevista no Estatuto da OAB. Essa proteção garante liberdade de atuação nas peças processuais e manifestações no curso do processo, mas tem limites. Ela não cobre práticas de calúnia. Se o advogado imputa falsamente um crime a alguém, responde penalmente, ainda que em nome de seu cliente.

Responsabilidade e empatia no centro do debate

Felipe e Renan concluíram o episódio com um apelo à ponderação. É possível — e desejável — opinar, debater, divergir. Mas com respeito. Compreender que o outro lado da tela é uma pessoa, com direitos e sentimentos, é o primeiro passo para uma convivência mais saudável, mesmo em meio ao caos informacional que se tornou a internet.

Criticar sim, ofender não. Lutar por causas justas sem perder a razão. E acima de tudo, entender que o espaço digital é público, permanente e passível de responsabilização. Se antes a liberdade de expressão era um direito subjetivo em contextos privados, hoje ela caminha lado a lado com a responsabilidade civil, penal e moral.

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